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sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Por que estudo filosofia antiga?

Sou granduando do curso de Filosofia, se é bacharel ou licenciatura, bem, pouco importa! 
Umas das coisas que mais me deixaram em crise, além do momento anterior a escolha do curso, foi o que vou estudar na vida acadêmica. Acredito que seja uma questão comum a todos os novos estudantes de filosofia, "o que vou estudar de agora em diante"?
Confesso que para quem quer ingressar na vida acadêmica essa questão é perturbadora - não farei críticas ao modelo academico, isso é para outra hora. A questão  desse texto é: "por que escolhi estudar filosofia antiga?". Mas para responder a questão, vou fazer uma digressão para mostrar como cai na filosofia antiga, em especial o helenismo. 
Antes de entrar na filosofia, as questões que me mais marcavam eram questões éticas e especulativas sobre o cósmos e se existe uma relação do cósmos com nossas ações. Dentro dessa perspectiva, o que me atraiu de imediato foi a filsofia oriental, em especial o budismo e o taoísmo. Mas assim que entrei no curso tive uma triste constatação: isso é misticismo - O QUÊ??? Isso mesmo! Para muitos é! Inclusive para aqueles que aprovam seus projetos na acadêmia. 
Bem, o que fazer então? Ir estudar outra coisa. 
Na minha primeira disciplina de filosofia li A apologia de Socrátes e concomitantemente, numa disciplina de teoria política, li O Príncipe de Maquiavel. O que Socrátes e Maquiavel tem em comum? Bem, eles falaram o que muitos não queriam ouvir! Mas Socrátes ficou no campo da admiração e Maquiavel ficou no escopo de interesse acadêmico. 
Não parece ser algo tão discrepante o que Maquaivel disse  e para o que os antigos disseram - claro, tendo mente os mais de mil e quinhentos anos de diferença. Assim, descobri um livro do Sponville, Valor e Verdade, que traz a leitura de Maquiavel como um cínico (um Sócrates enloquecido). Eis-me aqui de volta aos antigos. Logo depois estudei o ceticismo pirrônico numa matéria, fiquei apaixonado. Vi que o ceticismo tinha influência dos gminosofistas, filósofos e sábios hindus. Bem, tinha um caminho a ser colocado em minhas opções.
Em seguida descubro Espinosa, outro que disse coisas que não queriam ouvir, tanto é que está no index até hoje. Sponville também relaciona Espinosa à um certo cinismo. Okay! Mas o que me chamou atenção foi o monismo espinosano e suas implicações na ética. Isso é perfeito, cabe dentro das minhas questões mais viscerais! Uma corrente filósofica que sempre caia nas reflexões de Espinosa era o estoicismo. 
Ora, e quando descobri que Espinosa lia Maquiavel? Propus uma iniciação cientifica! Mas o projeto era frágil e a minha questão obscura. Deixei para trás. Também me encantei por Rousseau, que é claramente leitor dos antigos, mas nele não entrarei no mérito!
Resolvi me aprofundar em Maquiavel. Descobri que Maquiavel era leitor assíduo de filosofia, e não somente de história. Ora, ele tinha uma educação humanistica, característica do renascimento. O renascimento foi iniciado por Petrarca, num movimento de crítica a escrita aos textos de filosofia herméticos da época. Porém, outra coisa marca o começo do renascimento: as descobertas dos manuscritos de Cícero, senador romano e comentador de filosofia, além de filósofo da Acadêmia - a de Platão (não a da Capes/Fapesp hehe). 
Maquiavel mostra conhecimento profundo do contexto histórico e político da Roma antiga, além de suas idéias republicanas apresentadas nos Discursos da primeira década de Tito Lívio. Usa referências ao hilemorfismo aristotélico em algumas passagens do O Príncipe, cita Cícero em outras, além de ter inflência de Políbio e outros historiadores antigos, que também estavam inseridos no debate filósofico da sua época. Maquiavel lia os antigos!.
Espinosa também lia, ele debate claramente com o estoicismo, criticando e mesmo assim adotando muito do estoicismo em seu sistema de pensamento, algumas vezes cita alguns estóicos, como Musonius Rufus. Espinosa também traz ideias aristotélicas e epicuristas em sua Ética, além de usar o conceito de conatus, original do Estoicismo. 
Entretanto, o que me motivou a estudar filosofia antiga? O contexto histórico e político. Não é fácil estudar política num país que vive sobre a égide da repressão e sofre com a sombra de uma ditadura. Estudar mesmo que seja política no renascimento já me causava certo desconforto, somente em pensar que as coisas fossem degrigolar e que a perseguição fosse capaz de voltar. Voltei a estudar os antigos.
Um grande amigo me deu o livro do Marco Aurélio, Meditações. Marco Aurélio foi um imperador romano que seguia os princípos da filosofia estoica e as seguia no dia-a-dia e escreveu um diário sobre o que estudava de filosofia e seus reflexões filósoficas dentro do estoicismo. O edital de IC expirava em uma semana e um dos meus professores preferidos, de filosofia antiga, estava dando aulas sobre Platão. Sugeri uma IC em Marco Aurélio, sobre a sua concepção de Natureza. Ele aceitou de muito grado e com muita empolgação. Fiz o projeto e ele foi aprovado. 
Uma coisa que me deixou muito realizado foi o fato de Marco Aurélio ser conhecido como o "buda romano". O estoicismo tem incríveis paralelos com a filosofia budista. Bem, o destino é engraçado, não é?  Comecei na filosofia com uma questão, abandonei ela e logo em seguida lhe abracei como um projeto de produção intelectual. 
Como diria Sêneca, abracei o Destino e não fui por ele arrastado.
Recentemente acabei de sair de uma disciplina sobre Epicuro. Durante o decorrer da disciplina tive a certeza que era aquilo que quero estudar, a filosofia antiga. Pouco importa se são os pré-socráticos ou os neo-platônicos. A professora que estava lecionando, uma importante erudita e uma professora maravilhosa, disse que escolheu os antigos por que eles pensam a vida de forma simples. Essa ideia me motivou a escrever esse texto.
Por que a filosofia antiga? Por que viver é simples! E as respostas para as questões da vida são simples! A filosofia antiga dá respostas simples, mas complexas em suas formulações. Trazem debates muito próximos a vida comum, em especial o helenismo. Esse talvez seja o principal motivo que me impele a estudar a filosofia antiga e tentar trazer para a vida contemporânea. Afinal, mais de dois mil anos de respostas e as questões continuam, muitas vezes as mesmas, postas para nós. Qual o sentido da vida? Nosso lugar no cosmos? Como viver uma boa vida? Qual é a essa boa vida? Questões simples, respostas simples (pelo menos para mim), formulações complexas. 
Os antigos têm muito o que nos ensinar. E nós, muito o que aprender.

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