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terça-feira, 4 de outubro de 2016

Uma curta história do ceticismo até os tempos de Descartes

Uma curta história do ceticismo até os tempos de Descartes
I – O ceticismo antigo e o Helenismo – Pirro
O ceticismo é um termo usado como um adjetivo para qualificar
a pessoa que duvida de tudo, ou um descrente com as coisas. 
Entretanto, tomar essa noção como o sentido do ceticismo é 
incorrer em erros interpretativos quanto à historicidade do 
termo e do seu significado filosófico. O ceticismo é antes de 
tudo uma importante doutrina filosófica, e não somente um adjetivo. 
O movimento cético se origina num período da história chamado 
helenismo, mas suas raízes podem ser identificadas nos sofistas e 
nos primeiros diálogos platônicos. O helenismo se origina com a 
conquista de Alexandre, o Grande, das pólis grega e do império Persa. 
No caminho de Alexandre para as Índias, estava o fundador do 
ceticismo,Pirro de Élis (360 a.C. — 270 a.C). Em sua jornada pelo oriente, 
Pirro, entra em contato com os gminosofistas, os sábios orientais e 
faquiresascéticos, que pregavam a indiferença com o mundo, 
principalmente no que tange a percepção sensível. 
Essa ideia será um dos fundamentos essenciais do ceticismo antigo. 
Essa indiferença com o mundo é conhecida como apathéia ou apatia.

É pela indiferença que o sábio chega à epoché, a suspensão do juízo, 
e, por conseguinte, por não se perturbar por querelas teóricas e por vagas
discussões, atinge a ausência das perturbações, ou seja, à tranquilidade 
da alma, a ataraxia. Entretanto, diferentemente das filosofias helenísticas 
contemporâneas do ceticismo, que julgavam que a verdade era alcançável 
e necessária para viver uma boa vida, o ceticismo pirrônico aplicava essa 
‘apatia’ ao nível teórico. Em outras palavras, o ceticismo de Pirro estende 
a sua noção de indiferença com o mundo sensível ao nível teórico. 
Ao desconsiderar todas as explicações teóricas sobre como a vida deve 
ser vivida, o sábio cético suspende o juízo teórico, ou do que se pode dizer
 sobre as coisas, e se preocupa em viver a vida comum. O sábio, então, 
somente assente a sua afecção, ou das coisas que apreende pelos sentidos, 
e vive a partir dela, e não vive com nenhum pressuposto teórico sobre a 
vida, nem fica especulando sobre as coisas que vão além da percepção 
dos sentidos, ou seja, pelo o que lhe parece. 

A noção da suspensão do juízo (epoché) é central e característica ao 
ceticismo. Pois para chegar à suspensão do juízo é preciso opor o que 
as doutrinas dogmáticas dizem sobre a vida. Para o cético, as doutrinas 
dogmáticas possuem igual força de persuasão argumentativa. Ora, 
o cético pirrônico considera que se toda a filosofia é discurso, 
então todo discurso é persuasivo. Isso o leva a suspensão do juízo, 
já que a verdade parece que não é possível de ser alcançada, 
e em seguida, suspende o juízo, e, assim, chega à tranquilidade da alma. 

A oposição não diz sobre negação ou afirmação de uma teoria, mas na 
igualdade que diz respeito à credibilidade do discurso argumentativo ou 
falta dele, de modo que nenhum dos pensamentos em conflito 
argumentativo, por mais convincente que pareça, é superior. 
A suspensão se trata de estagnação do pensamento, 
que se deve de não se rejeitar nem afirmar, e quanto à tranquilidade, 
é a ausência de perturbações, a quietude da alma. 
Esse movimento do cético pirrônico de igualar as teses e os 
argumentos persuasivos é conhecido como isosthenia.

II – O ceticismo romano – Sexto Empírico e a Academia

Pirro, assim como Sócrates, não deixará nenhum material escrito para a 
posterioridade. A maior parte dos seus ensinamentos são registros de sua 
postura e dos ensinamentos aos discípulos, principalmente por seu pupilo, 
Tímon de Fliunte (320 a.C. — 230 a.C). Com a morte do mestre, o ceticismo 
se desenvolve, principalmente com o embate as filosofias dogmáticas, até 
chegar a Academia de Platão. Figuras como Arcesilau (316 a.C – 241 a.C) e 
Carnéades (214 a.C - 129 a.C), acadêmicos que em seus embates com o 
estoicismo, fundaram os preceitos teóricos para as dúvidas céticas dos 
sistemas filosóficos, e Enesidemo (150 a.C - 70 a.C), que retomou a noção 
de epoché, do ceticismo pirrônico, para resolver problemas 
epistemológicos¹ resultantes dos embates argumentativos. 

É importante notar que o ceticismo Acadêmico é diferente do ceticismo 
Pirrônico. A diferença consiste, em termos simples, em que o ceticismo 
Acadêmico recusa a possibilidade de existir qualquer conhecimento 
verdadeiro sobre natureza. Enquanto que o ceticismo pirrônico, 
ao contrapor tanto a filosofia dogmática com o ceticismo 
Acadêmico chega à conclusão que não é possível ter um critério 
suficiente para validar qualquer hipótese, já que ambas são totalmente 
excludentes, e diante de tal impossibilidade de validar qualquer 
conhecimento, suspende o juízo e atinge a tranquilidade da alma, 
ou a imperturbabilidade.

O ceticismo pirrônico tem a sua máxima expressão com Sexto Empírico 
(160 d.C - 210 d.C). O ceticismo de Sexto consiste em dividir as escolas 
filosóficas em três: os Dogmáticos, que acreditam terem encontrado a 
verdade; os Acadêmicos, que acreditam na impossibilidade de constituir
 um conhecimento; e nos céticos, os que suspendem o juízo e continuam 
investigando. Suas principais obras são as Hipotiposis Pirrônicas e os 
Adversus Mathematicos. A primeira consiste nos seus comentários sobre 
o ceticismo e os segundo, os seus embates contra as filosofias 
dogmáticas. 

Sexto Empírico, além de comentar as filosofias dogmáticas, também era 
médico, e incluía, em sua prática, elementos da filosofia cética. 
Sexto também foi um importante doxografo das filosofias romanas 
e helenistas. A redescoberta de seus textos terão importantes 
impactos no renascimento e no desenvolver 
da filosofia moderna. 

III – O ceticismo de Montaigne

 No renascimento, a figura cética mais digna de nota será Michel de 
Montaigne (1533 – 1592). Nos Ensaios, Montaigne retoma importantes 
elementos do ceticismo pirrônico de Sexto Empírico. Além da dúvida, 
Montaigne contrapõe as filosóficas dogmáticas e acaba chegando à 
suspensão do juízo. E Montaigne, tal como Sexto, continua 
investigando.
A retomada do ceticismo de Montaigne terá impactos na filosofia 
moderna. Ora, o ceticismo, com a suspensão do juízo oferece 
uma impossibilidade à constituição de qualquer conhecimento verdadeiro. 
Desta forma, o ceticismo se mostra como um obstáculo a ser 
superado para fundar qualquer conhecimento verdadeiro. 

IV – O ceticismo como obstáculo ao conhecimento

O ceticismo, na filosofia moderna, se mostra como um 
obstáculo ao conhecimento verdadeiro. Além de contrapor os 
argumentos filosóficos, o ceticismo trás consigo uma 
dúvida sistêmica. Essa dúvida se insere como uma forma a procurar 
contradições no discurso dogmático. E como o discurso dogmático 
se apresenta como possuidor da Verdade universal e do conhecimento 
verdadeiro sobre o mundo, o ceticismo ao duvidar dos princípios da 
teoria dogmática, estabelece um risco ao discurso dogmático. 

Portanto, o ceticismo, na filosofia moderna, se mostra como um 
adversário a ser superado. O ceticismo vira uma caricatura, uma 
simplificação, para que seja superado. Não é mais a postura de 
suspensão do juízo ou da contraposição de dogmas, mas a postura 
de sempre duvidar, de executar uma dúvida sistêmica em qualquer 
forma de construir algum conhecimento verdadeiro. 
Entretanto, o cético para de duvidar quando a duvida chega ao 
plano da percepção sensível. 





[1] Ora, com a impossibilidade de constituir um sistema filosófico dogmático,
dada as dúvidascéticas dos sistemas, trás um problema de como conhecer 
alguma coisa e se é possívelconhecer algo. 
A suspensão do juízo retoma a importância de viver a vida 
prática e quenão se é necessário um conhecimento especulativo para viver. 
O que implica, entretanto,que o único conhecimento válido 
é o conhecimento prático, tal como o da medicina e dasciências práticas. 





Bibliografia

Bett, Richard et al, The Cambridge Companion to Ancient Scepticism, Cambridge 
University Press, New York, NY, 2010.

Porchat, Oswaldo, Rumo ao ceticismo, Editora UNESP, São Paulo, 2007.

Sexto Empírico, Hipotiposes Pirrônicas, Livro I, tradução de Danilo Marcondes.
Sharples, R.W, Stoics, Epicureans and Sceptics, An introduction to Hellenistic 
Philosophy, Routledge, New York, NY, 2002.

Wolter, Katarina Maurer, Um estudo sobre a relação entre filosofia cética e 
criação ensaística em Michel de Montaigne, Revista Dois pontos, Curitiba, 
São Carlos, vol. 4, n. 2, p.159-170, outubro, 2007.




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